Ser professor é… (1/2)

Tenho colegas que são mais corajosos do que eu. E são capazes de escrever e publicar o que eu penso. Veja-se no blogue “A mesa do café”, o post

“Ser professor é…”

Mais especificamente, ser professor de matemática do ensino básico (8º e 9º anos) é essencialmente:

1. Deparar com alunos com imensas dificuldades e com uma enorme falta de bases matemáticas. Só para se ter uma noção, poucos são aqueles que sabem calcular a área de um rectângulo, quanto é “quatro ao cubo”, somar duas fracções, dizer inequivocamente quanto é 5 – 12, resolver um problema simples que envolva apenas uma subtracção ou a tabuada (o resultado das pedagogias científicas que dizem que nada pode ser decorado e que tudo tem de ser aprendido de forma lúdica é perguntar quanto é 8×4 e dificilmente obter a resposta certa). No entanto, fruto das medidas educativas que evitam os chumbos a todo o custo e de um facilitismo avaliativo de muitos professores que autenticamente oferecem notas para não se chatear, estes alunos vão passando de ano, mesmo que dotados de uma ignorância profunda (só mais tarde, estes alunos irão perceber que são eles as principais vítimas deste sistema educativo facilitista e perverso). Isto está de tal forma que há exemplos na minha escola de alunos que chegam ao 5º ano sem praticamente saberem ler nem escrever (!!!).

2. Gerir uma multiplicidade de conflitos no seio da turma, com uma quantidade grande de alunos desmotivados, desinteressados e que não percepcionam na escola uma verdadeira utilidade prática.

3. Sempre que necessário, agir disciplinarmente, sabendo (professores e alunos) que a consequência prática e correctiva destas medidas é praticamente nula. Isto porque por mais faltas disciplinares que um aluno tenha, pouco mais pode acontecer do que efectuar trabalho comunitário durante uns dias (se os pais deixarem, senão o menino fica apenas suspenso, ou seja, férias antecipadas) dado que medidas como a expulsão estão completamente fora dos regulamentos (talvez aí os alunos pensassem duas vezes antes de pisarem o risco, mas não pode ser porque, como diria Eduardo Sá de forma mais eloquente, seria uma experiência verdadeiramente humilhante e traumática, que desrespeitaria o direito fundamental da criança). Tenho o maior respeito e consideração por alunos com casos familares conturbados e provenientes de um meio social muito complicado (só uma pessoa fria e cruel não teria). Mas, mesmos alunos nessas condições, têm de perceber, a bem ou a mal, que a escola é uma oportunidade que não pode ser desaproveitada, que há regras a cumprir e que há (deveria haver) medidas verdadeiramente severas para quem prevarica. Sob pena de, como acontece, o conceito de “escola inclusiva” ser uma farsa. Que raio de “escola inclusiva” é esta que premeia e dá múltiplas oportunidades aos alunos mais indisciplinados, enquanto aqueles que cumprem, se esforçam e se empenham são dia após dia prejudicados pelo comportamento perturbador e recorrente dos primeiros? É o que dá quando certas leis são elaboradas por gente que não faz a mínima ideia do que é a realidade escolar no seu quotidiano, muito menos do que é o fenómeno da turma e das múltiplas variáveis que lhe estão associadas.

4. Preparar provas de recuperação para um aluno que falte permanentemente, sabendo que, mesmo que ele reprove uma ou duas vezes, a possibilidade de, nestas circunstâncias, chumbar por faltas está sujeita a um longo processo burocrático (que mesmo assim pode não conduzir a nada, pois há sempre pressões fortes para que este não se concretize, nomeadamente algumas usando “falhas” na lei). Ou seja, foi a forma genial encontrada pelo Ministério de ninguém chumbar por faltas, mesmo dando a ideia de que isso supostamente acontece, encarregando os professores de todo o procedimento legal em redor deste embuste.

5. Preparar e pôr em prática criteriosamente planos de acompanhamento e de recuperação, respectivamente para alunos repetentes e/ou em risco de chumbar pelo número elevado de negativas. Há casos onde se percebe essa necessidade, por serem casos com reais dificuldades, que precisam e merecem um acompanhamento mais directo, mas, em muitas situações, este insucesso deve-se muito a falta de estudo, de atenção nas aulas e de esforço (sim, porque aprender exige esforço e sacrifício – essa ideia de que tudo tem de ser aprendido de forma divertida e natural é mais uma das grandes falácias da “escola moderna”) e, nesses casos, estes planos de acompanhamento são mais um exemplo que demonstra a importância excessiva que se dá a quem não dá valor à escola e ao conhecimento, enquanto se despreza os bons alunos que, à custa de mérito próprio, vão tendo verdadeiro sucesso educativo (mas que ficam com a sua evolução limitada pelas prioridades da escola actual – Ken Robinson tem toda a razão: a escola anda mesmo a matar a criatividade e o desenvolvimento de muito boa gente)

6. Tentar encontrar mecanismos diferenciados de avaliar e/ou abordar os conteúdos programáticos a alunos com Necessidades Educativas Especiais ou em Currículos Alternativos.

7. Dar aulas de Área Projecto (a importância desta e de outras Actividades Curriculares Não Disciplinares daria uma análise interessante, mas demasiado longa para se enquadrar neste texto).

8. Participar em múltiplas reuniões, muitas vezes inócuas, mas obrigatórias perante a lei, onde se analisam mil e um aspectos de natureza burocrática referidos anteriormente.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.